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Lembrança de Infância: pó mágico da mandioca

  • Chris Nascimento
  • 4 de nov. de 2016
  • 3 min de leitura

Nada mais gastronômico, na minha iniciação na cozinha, do que esta lembrança. Nas férias de julho, quando tinha entre 8 e 11 anos, aprendi na prática como extrair da raiz da mandioca o pó mágico do polvilho e a doce farinha caseira.


Geralmente, a gente aprende nos livros que a mandioca vem do Mani, nome da índia, filha do chefe da tribo que morre e é enterrada e neste local nasce uma raiz que recebe o nome de oca. Temos então a mandioca. Assim aprendemos em livros, fábulas, contos em escola, dos pais quando estudávamos e comemorávamos o dia 19 de abril : Dia do Índio.


Comigo não foi diferente, mas de forma mais realista este aprendizado marcou a minha infância, deixando lembranças doces, divertidas e brancas. Reuníamos todos. Tias, primos, irmãs da família materna na casa da então herdeira da força da família Mendes em Pompéu, íamos para a Fazenda Capoeira da Serra, da minha tia Leodelibes (Delibe para todos nós). Ahhhhh que festa!


Eram uns 7 dias recebendo a mandioca dos homens da família que ficavam com a parte “dura” da tarefa: colher, trazer nas charretes e despejar no quintal. Aí, a tarefa “leve” iniciava pelas mãos dos pequenos (nós, primos, sobrinhos), das mulheres (irmãs, tias, filhas) e do pessoal da casa (empregadas da fazenda).Lavar a mandioca com bucha, hoje conhecida como bucha vegetal, bascuio e bucha de saco de ração. Que delícia, levar as mandiocas para um rêgo que passava no fundo do quintal, todo calçado de pedra, água límpida e pura, corrente. Depois de lavar cerca de umas 6 a 7 charretes de mandioca, começávamos a descascar.


Esta é uma lembrança chata, pois como éramos crianças nossas facas eram as facas de mesa e isso, claro, para um cozinheiro nato era um terror. Esta ação das mães era preventiva evitando cortes e acidentes bem sérios. Por vezes, sobrava só as pequenas mandiocas e que tínhamos que raspá-las com a faquinha.


A segunda fase nem passávamos perto, pois as mandiocas cascadas e lavadas novamente iam para um ralo elétrico, trabalho dos ” adultos” geralmente de minha tia Delibe. No caso, em uma destas vezes ela chegou a perder a ponta dos dedos, a máquina era bem poderosa e naquele tempo os cuidados não eram preocupação primordial. Depois sempre me recordo da falta da ponta dos dedos de minha tia, guerreira, isso nunca a impossibilitou de continuar por anos e anos depois a trabalhar duro na fazenda ao lado do marido e dos filhos e , claro, a continuar a fazer polvilho e farinha.


Do ralador, retirávamos a massa com pratos “esmaltados” e levávamos para a prensa onde havia o processo de separação do caldo para o polvilho e da massa que se transformaria em farinha. Algumas horas na prensa manual, retirava-se a massa que ia para os jiraus tomar um pouco de sol. Tínhamos que carregar o caldo em baldes de pouco em pouco e colocá-lo nas muitas latas de 50 litros, as chamadas braúnas, aquelas latas de ferro usadas em fazendas para guardar o leite.


O processo do polvilho mais demorado, ficava entre 5 a 7 dias sendo lavada a massa e escorrida a água até chegar na massa branca, límpida, consistente que dissolvíamos e deixávamos secando nos jiraus, posteriormente guardadas em sacos para transformar-se em biscoitos deliciosos, bolos e até gomas para roupas(este processo demorado posso contar de outra vez!).


A farinha mais seca pelo sol saía dos jiraus e ia para as grandes panelas de cobre em fogo de lenha para serem cozidas e torradas. Lembro-me bem das panelas imensas, da massa que era mexida com rôdos de madeira (instrumento próprio) para este fim. Este ouro branco saia quente (fervendo) das panelas (tachos) para nossos pratos de “janta” quando anoitecia e encerrávamos o trabalho do dia.


Lembrança de infância, isso? Nossa, que querida lembrança, que saudade! A família reunida, a diversão dos bate papos, das histórias contadas, os jogos de buraco, a aprendizagem diária, o conhecimento da química do alimento se transformando em outros produtos e esses em outros. A gastronomia vai para além da preparação de um lindo prato.


Para mim, a arte de cozinhar traz estas lembranças e iniciou-se assim, com lembranças simples e que deixam saudade. Para matar este sentimento, há 2 anos venho fazendo este processo, em escala bem, bem menor, no sítio dos meus pais. Veja o processo através das fotos. Fotos daquela época? Infelizmente, apenas em minha lembrança, e fotos mais vivas que essa que acabei de compartilhar com vocês não conseguirei para mostrar.


E aí, alguém com lembrança gastronômica de infância?

 
 
 

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